sábado, 15 de fevereiro de 2014

16/02/2014
Sociedade

Quando o Brasil vai reagir contra a homofobia?

 

Kaique foi morto. Outros virão. Cada vítima tem um assassino. Mas outros, no Congresso, no governo e  nas igrejas. 
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O jovem assassinado, em imagem de seu Facebook



Mais um.
Em outros países, o brutal assassinato de um adolescente homossexual de 16 anos de idade seria uma notícia que comoveria a sociedade e nos chocaria a todos como poucas notícias nos chocam. Um garoto que ainda estava na escola, com toda uma vida pela frente, arrancado da existência, despojado de toda humanidade, com todos os dentes arrancados e uma barra de ferro dentro da perna. Um menino cheio de futuro que acaba seus dias com traumatismo craniano e intracraniano, com o corpo todo sujo, abandonado sem vida numa avenida da região central de São Paulo.
Em outros países, seria manchete de capa de todos os jornais. A Presidenta falaria em cadeia nacional. O país inteiro reclamaria justiça. Os poderes públicos reagiriam de imediato.
No Chile, um crime semelhante mudou as leis do país e fez governo e oposição coincidirem na necessidade de políticas públicas para enfrentar o preconceito contra a população LGBT. Daniel Zamudio, falecido no dia 27 de março de 2012 depois de vinte dias de agonia em um hospital de Santiago, acabou dando seu nome à lei contra a homofobia que o próprio presidente Piñera (um empresário católico de direita) se decidiu a apoiar. Daniel tinha sido golpeado até ficar inconsciente. Apagaram cigarros no corpo dele, desfiguraram seu rosto, o apedrejaram reiteradas vezes, arrancaram parte de sua orelha, bateram com uma garrafa na cabeça dele, quebraram suas pernas fazendo alavanca com elas até o limite da resistência dos ossos e desenharam três cruzes esvásticas na sua pele com troços de vidro. O país inteiro reclamou justiça e os assassinos, quatro jovens como ele que acreditavam que, por ser gay, não merecia viver, foram condenados pela justiça num processo histórico. O líder do grupo recebeu prisão perpétua.
Mas no Brasil, Kaique Augusto Batista dos Santos é mais um, só mais um. Um dado mais numa estatística que, de tão terrível, já passa despercebida. Em 2012, o mesmo ano em que Daniel Zamudio perdeu a vida no Chile, 338 pessoas foram assassinadas por serem gays, lésbicas, travestis ou transexuais no Brasil, 27% mais que no ano anterior, que registrou 266 homicídios homo/lesbo/transfóbicos, 317% mais que em 2005, quando o Grupo Gay da Bahia contabilizou 81 casos. E esses números são apenas o pouco que sabemos, porque o Estado não investiga. São estatísticas informadas por uma organização da sociedade civil, recolhidas de matérias publicadas na imprensa e informação das famílias. O número real, portanto, deve ser maior. Kaique é mais um nessa estarrecedora lista de mortos com a qual o Brasil convive com naturalidade. Sua morte não é uma exceção, não surpreende ninguém, não abala o país.
A Presidenta, como sempre, não disse nada. Para o governo Dilma, aliado do fundamentalismo religioso e das máfias que pregam o ódio contra todos aqueles que amam diferente, a morte desses meninos não é um fato importante, que mereça a atenção do Estado. A própria Presidenta já disse, justificando o cancelamento de políticas públicas de prevenção e combate à homofobia e ao buyilling nas escolas, que não faria "propaganda da homossexualidade", como se aquilo fosse possível. Vocês já imaginaram um governante dizendo, para explicar por que se opõe a qualquer política pública contra o racismo, que não admitirá a "propaganda da negritude"?
Como eu já escrevi tempo atrás, em ocasião de outros assassinatos como este, em cada caso aparece, como pano de fundo, o discurso de ódio alimentado por igrejas caça-níquel e pela bancada fundamentalista no Congresso federal, que em 2013 ganhou de cínico presente, com o apoio da bancada governista, a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. É claro que a violência é praticada por pessoas violentas e os agressores são responsáveis por seus atos, mas não é por acaso que as vítimas dessas agressões sejam, repetidamente, jovens homossexuais, e que muitas vezes as pancadas venham acompanhadas por citações bíblicas. A culpa não é da Bíblia, mas dos charlatães que, em nome de uma fé que não têm, distorcem seu texto e seu contexto para usá-la contra a população LGBT, pregando o ódio e convocando a violência. Eles fazem isso por dinheiro e poder — ou você acha que realmente acreditam em alguma coisa? — e o resultado é um país que já se acostumou a assistir no Jornal Nacional à morte de mais um jovem gay, mais uma jovem lésbica, mais uma travesti ou uma pessoa transexual, vítimas do ódio irracional que os fundamentalistas promovem.
Essa loucura tem de parar! E tem que parar a hipocrisia e o oportunismo dos políticos sem coragem que fazem de conta que não veem o que acontece e continuam subindo fazendo acordos com o fundamentalismo para ganhar minutos de TV e palanques na campanha. Isso custa vidas!
Semanas atrás, o Senado federal enterrou o PLC-122, um projeto de lei que pretendia equiparar a homofobia ao racismo, agravando as penas dos crimes de ódio contra a população LGBT e punindo as injúrias homofóbicas e a incitação à violência e ao preconceito. É público que eu tenho diferenças de concepção com o texto desse projeto, porque acho que não é apenas pela via do direito penal que vamos acabar com a homofobia e porque acredito que o aumento do estado penal, inclusive nesses casos, não é uma boa ideia. Acredito que a homofobia deve ser crime, sim, e que não pode receber um tratamento diferente ao que recebem os crimes de motivação racista. Acredito, também, que os crimes violentos cometidos por motivo de ódio contra alguma das "categorias suspeitas" que o direito internacional reconhece (negros, judeus, mulheres, homossexuais, transexuais, estrangeiros de nacionalidades estigmatizadas, pessoas com deficiência etc.) devem ter suas penas agravadas, e que as injúrias e atos discriminatórios não-violentos devem receber penas alternativas — não a cesta básica ou a simples multa, mas penas socioeducativas que sirvam para "curar" essa doença social que chamamos preconceito. Contudo, também acredito que com isso não basta e que o direito penal não pode ser o eixo da política pública contra esse problema: precisamos de programas contra o buylling nas escolas, de campanhas nacionais contra o preconceito, de investimento público em políticas em favor da diversidade, de uma legislação que permita às pessoas se defenderem da discriminação no trabalho, no acesso aos serviços públicos e em outros âmbitos da vida social. Precisamos de uma forte e decidida ação dos poderes públicos para acabar com a violência homofóbica e com todas as formas de discriminação legal que a legitimam, por isso meu mandato impulsionou a campanha pelo casamento igualitário e a lei de identidade de gênero e promove regras para a inclusão e políticas afirmativas que favoreçam as minorias estigmatizadas.
Contudo, a decisão do Senado de enterrar o PLC-122 não foi motivada por uma discussão séria sobre qual é a melhor política contra a homo/lesbo/transfobia, mas pela decisão da maioria dos senadores de que não haja nenhuma política contra ela. Não é por acaso que o pastor Silas Malafaia, um dos líderes do Ku Klux Klan antigay brasileiro, parabenizou os senadores e, em especial, o senador Lindberg Farias, um dos líderes da causa homofóbica no governista Partido dos Trabalhadores. E o enterro do PLC-122 veio coroar uma política de Estado, implementada pelo governo Dilma, que incluiu o cancelamento do programa "Escola sem homofobia", a destruição de todos os programas e projetos contra a discriminação no âmbito da saúde pública, a oposição ao casamento igualitário (regulamentado pelo Conselho Nacional da Justiça após uma ação promovida pelo meu mandato junto ao PSOL e à ARPEN-RJ, mas ainda engavetado no Congresso), além daquela desastrada declaração da Presidenta sobre a "propaganda homossexual", em linha com a retórica internacionalmente repudiada do governo russo de Vladimir Putin.
Em meio a tudo isso, Kaique foi morto. Mais um. E mais outros virão.
Quantos? De quantos mortos o Brasil precisa para reagir?
Eu já disse uma vez e vou repetir. Cada uma dessas vítimas tem um algoz material — o assassino, aquele que enfia a faca, que puxa o gatilho, que "desce o pau", como o pastor Malafaia pediu numa de suas famosas declarações televisivas. Mas há outros algozes, que também têm sangue nas mãos. São aqueles que, no Congresso, no governo e nas igrejas fundamentalistas, promovem, festejam, incitam ou fecham os olhos, por conveniência, oportunismo, poder e dinheiro, cada vez que mais um Kaique é morto. Eles também são assassinos.
Como deputado federal, mas também como cidadão gay desse país, e antes disso tudo, como ser humano não consegue conviver com a violência e o ódio como se fossem naturais, ficarei à disposição da família e dos amigos de Kaique e farei tudo o que puder para que esse e outros crimes sejam esclarecidos e não fiquem impunes. Como dizia o poeta Pablo Neruda, chileno como Daniel Zamudio, "por esses mortos, nossos mortos, eu peço castigo".



Política

 

Dilma escolhe o adversário

Por ora, trata-se de Eduardo Campos. E se Marina Silva entrar no páreo?
  publicado 16/02/2014



Dilma Rousseff
O "cara de pau" só pode ser o governador de Pernambuco
Na festa de comemoração, no dia 10, dos 34 anos de vida, o Partido dos Trabalhadores parece ter tomado uma decisão importante quanto ao rumo da batalha presidencial pela reeleição da presidenta Dilma Rousseff. Os petistas indicam que farão do governador de Pernambuco, o presidenciável Eduardo Campos (PSB), o principal adversário nessa etapa inicial da corrida eleitoral.
Despida dos rituais da Presidência, Dilma discursou na festa petista com os recursos de um velho truque de palanque. Mandou chumbo na oposição. Mas entre os oposicionistas havia um alvo preciso, Eduardo Campos, ao qual se dirigiu sem dar o nome. Ela falou genericamente aos “pessimistas” descrentes do Brasil.
“Eles têm a cara de pau de dizer que o ciclo do PT acabou, que o nosso modelo se esgotou”, atacou a candidata. Quem primeiro desfraldou a bandeira foi Eduardo Campos. Ex-aliado e ex-ministro de Ciência e Tecnologia do governo Lula, inscreveu-se com esse prelúdio na lista de presidenciáveis. Na sequência apoiou-se em discursos a respeito de uma “nova política” e outras melodiosas aos ouvidos conservadores.
Fazer de Campos um adversário preferencial não nasce de revanchismo de petistas gerado pela troca de camisa nem é temor do enfrentamento com o tucano Aécio Neves. A razão é outra. Os petistas usam conhecida tática comum em certos momentos do jogo eleitoral. Ela permite ao candidato mais forte escolher o adversário de sua conveniência.
Tudo indica que essa possível opção por Campos tem uma lógica guiada principalmente pelos números das pesquisas. A mais recente, de meados de janeiro, circulou restritamente por não ter sido registrada no Tribunal Superior Eleitoral. Nela há somente uma variação. A pequena queda do tucano de 15% para 13%. O porcentual de Dilma gira em torno dos 43%, onde está empacada. Campos patina em torno de 8%.    

O confronto 
com o socialismo maroto do PSB mantém o nome de Eduardo Campos no noticiário. Dá mais visibilidade e força uma disputa secundária entre ele e Aécio Neves. Caso Marina Silva assuma a posição de vice na chapa do PSB, como é esperado no partido dele, talvez agregue ao porcentual de Campos votos suficientes para superar o candidato tucano.
A situação de “lanterninha”, a despeito de outros candidatos de menor porte eleitoral, pode não ser uma situação definitiva para o tucano. O PSDB tem potencial de votos. Minas Gerais e São Paulo podem ajudar Aécio a retomar a posição de agora. Entre os eleitores mineiros, ele projeta, com convicção, uma maioria absoluta. E Marina, as pesquisas já mostraram, tem intenções de voto bem razoáveis entre os paulistas. A serem confirmados nas urnas, porém.
Esse tripé do Sudeste, formado pelos três maiores colégios eleitorais do País, decidirá a peleja entre os dois principais adversários de Dilma. Nessa etapa também estará sendo definido o curso da eleição.
Haverá segundo turno? Os números de agora indicam que não. Se a maré mudar, Eduardo ou Aécio teriam mais condições de apagar a estrela do PT em 2014?



O rei Joaquim

Presidente do STF derruba decisões tomadas durante as suas férias, divide a Corte, surpreende o meio jurídico e reanima especulações sobre seus sonhos políticos


O ministro Joaquim Barbosa retornou de suas férias e, em menos de uma semana, conseguiu gerar um clima de guerra e de incertezas na mais alta corte de Justiça do Brasil. “Ele tem se comportado como um reizinho, e não como o presidente de um órgão colegiado”, diz um ministro que pede anonimato. O fato é que, com quatro canetadas, o presidente do STF derrubou despachos assinados pelo ministro Ricardo Lewandowski, número 2 na hierarquia do Supremo e seu desafeto. Num deles, Joaquim desautorizou sentença do colega para que uma advogada deficiente visual entregasse petições em papel, em vez de empregar arquivos eletrônicos que ela tinha dificuldade de enxergar. Alegou que Lewandowski cometera “populismo jurídico”. Joaquim também reverteu decisão de seu substituto que autorizava as prefeituras de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, e Caçador, em Santa Catarina, a reajustar o IPTU.
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SEM REVERÊNCIAS
Joaquim Barbosa releva a tradição de respeitar decisões de outros ministros
e nega permissão de trabalho para José Dirceu, preso na Papuda
Entre as alterações realizadas no trabalho de Lewandowski, contudo, a de maior impacto político envolveu o ex-ministro José Dirceu, condenado da Ação Penal 470. Em sentença assinada em 24 de janeiro, Lewandowski determinou a análise imediata, por parte da Vara de Execuções Penais, do pedido feito por Dirceu para trabalhar no escritório do advogado José Gerardo Grossi, um dos mais respeitados de Brasília. Joaquim revogou a decisão e, por causa disso, o mais célebre réu do mensalão pode completar 90 dias em regime fechado, embora tenha direito ao semiaberto pelo menos até que os seus embargos venham a ser julgados pelo plenário do STF. Para David Rechulski, especialista em direito penal e crimes contra a administração pública, o semiaberto não é apenas um benefício favorável a todo réu. “A condenação não pode ser só um castigo. O trabalho também é uma finalidade da pena.”
  A operação que fechou a porta da penitenciária da Papuda só foi possível porque, enquanto viajava pela Europa, Joaquim Barbosa contou com a lealdade de Bruno Ribeiro, o juiz titular da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal. Escalado para o posto depois que o primeiro ocupante tomou atitudes que não agradaram ao presidente do STF, Bruno Ribeiro valeu-se de um atalho burocrático para fazer aquilo que, viu-se mais tarde, Joaquim gostaria que tivesse feito. Embora uma investigação interna, assinada pelas autoridades policiais do presídio, tivesse concluído que Dirceu era inocente da acusação que motivara a suspensão de seu direito ao regime semiaberto – a denúncia de que havia conversado pelo celular com o secretário de Comércio e Mineração do governo da Bahia, James Correa –, Ribeiro alegou que o prazo para os trabalhos de apuração ainda não havia se expirado, o que lhe permitia questionar a liminar de Lewandowski. Foi uma decisão que recebeu críticas do ponto de vista  disciplinar, pois envolve a hierarquia do Judiciário: um juiz de primeira instância não tem o direito de contestar um ministro do Supremo. “Se não apareceram provas de que Dirceu falou ao telefone, não se pode usar uma hipótese para negar um direito”, diz o criminalista Fábio Tofic. “A presunção é da inocência.” Em sua sentença, o presidente do STF ainda alegou que  a decisão de Lewandowski não tinha apoio do Ministério Público. Errado: desde a sexta-feira 7, a procuradora da República Márcia Milhomens Corrêa se manifestara favoravelmente ao cumprimento da jornada de trabalho.
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ATROPELADO
Decisões do ministro Ricardo Lewandowski foram classificadas
de "populismo jurídico" pelo presidente do STF
É certo que a decisão de Joaquim tem amparo legal. O Artigo 317 do regimento interno do STF que trata da revisão de decisões de um ministro só proíbe reversão em casos terminativos, o que não acontece com Dirceu. Ainda assim, especialistas em direito se confessam surpresos em função de um elemento subjetivo nas atitudes de Joaquim. Eles lembram que as revisões são autorizadas, mas não podem ser a regra de funcionamento de um tribunal, em que cada ministro deve mostrar uma postura de “reverência” pela decisão  do ministro que o antecedeu. Para Edson Gouveia, que dá aulas sobre o regimento interno do STF,  “a regra deve ser a reverência, não a revisão”. Os estudantes de Direito aprendem, já no primeiro ano de faculdade, que a principal diferença entre as decisões de primeira instância e as dos tribunais superiores é que estes funcionam por decisões colegiadas, que estimulam a formação de um pensamento coletivo e a construção de uma jurisprudência.
Com direito a permanecer na presidência do STF até novembro, as atitudes de Joaquim Barbosa diante das decisões de Lewandowski alimentaram ainda mais suspeitas de que  pretende renunciar ao Supremo para disputar um cargo eletivo em outubro de 2014. O próprio Joaquim faz mistério sobre a decisão, mas seu comportamento recente não chega a ser um atestado de boa conduta. Está cada vez mais fácil atribuir ao presidente do STF um comportamento imperial no comando da suprema corte – seja impedindo o aumento de impostos, seja mantendo na prisão, de qualquer maneira, o mais importante réu do mensalão. 
 
 
 
 
 

15/02/2014




Especial

Os black blocs têm agora uma morte sobre os ombros

Reportagem de VEJA desta semana mostra que a máscara “libertária” do grupo caiu e revela o rosto soturno de um bando que, ao aliar inconsequência à violência e o uso de armas letais, equipara-se a terroristas

Cecília Ritto
SININHO: Boa de organizar passeatas e arrecadar dinheiro, ela estuda cinema, está desempregada e rompida com os pais, militantes do PT
SININHO: Boa de organizar passeatas e arrecadar dinheiro, ela estuda cinema, está desempregada e rompida com os pais, militantes do PT (Montagem sobre fotos: Armando Paiva/Fotoarena Christophe Simon/AFP)
Eles não vieram com flores nas mãos. Os primeiros black blocs a surgir nas ruas brasileiras já chegaram de máscara e marreta em punho. Quebraram lojas, incendiaram ônibus e invadiram prédios públicos em badernas no Rio, em São Paulo e em outras 22 capitais. Mesmo assim, receberam olhares benevolentes de políticos (“Vários movimentos têm vários métodos distintos. Eu não sou juiz para ficar avaliando os métodos em si”, disse o deputado Marcelo Freixo, do PSOL) e francamente deslumbrados de alguns artistas (“Emma é linda. O anarquismo é lindo”, escreveu Caetano Veloso a propósito de uma black bloc, pouco antes de posar fantasiado de mascarado). Um professor da Fundação Getulio Vargas, de São Paulo, chegou a escrever que os black blocs “usavam a estratégia da violência” porque eram “vítimas da violência cotidiana praticada pelo Estado”. A polícia e as leis brasileiras fizeram a sua parte para piorar a situação. Nove meses após o início da baderna e dezenas de arruaças depois, há apenas um black bloc preso no Rio. Em São Paulo, nenhum. Na semana passada, a leniência e a impunidade cobraram seu preço: o cinegrafista Santiago Andrade, de 49 anos, morreu em consequência de um rojão que, disparado por um mascarado, o atingiu em cheio quando trabalhava. Com a tragédia, a máscara “libertária” dos black blocs caiu para revelar o rosto soturno de um grupo que, ao aliar inconsequência a violência e uso de armas letais, se equipara a terroristas.
Rudy Trindade/Frame/Folhapress e Pablo Jacob/Ag. O Globo
A TRANSFORMAÇÃO: Caio Souza, tímido e contrito ao ser preso na semana passada e batendo boca com seguranças em manifestação no Rio: segundo ele, black blocs ganham dinheiro e “quentinhas” de patrocinadores. Quem são, ele não diz
Três personagens foram fundamentais para revelar a face mais sinistra dos black blocs: Fábio Raposo, o Fox, que carregou o rojão que atingiu o cinegrafista; Caio Silva de Souza, o Dik, que levou o artefato até perto da vítima; e Elisa Quadros, a Sininho, “militante ativista” (a definição é dela) que surgiu do nada para oferecer “assessoria jurídica” aos dois acusados e não parou mais de aparecer. Raposo e Souza, que se entregaram e estão presos, são peões do movimento, integrantes da tropa de choque do que­bra-quebra. Já Sininho, 28 anos, estudante de cinema (já há seis anos) e atualmente desempregada, é da elite que decide e dá ordens. Sininho faz a ponte entre os black blocs e a parcela da classe política que nutre simpatia pelo grupo. Dela, constam, por exemplo, os vereadores Renato Cinco e Jefferson Moura, ambos do PSOL. Eles aparecem numa planilha que circulou em grupos fechados na internet, revelada pelo site de VEJA, com os nomes de pessoas que, a pedido de Sininho, patrocinaram um “evento cultural” que ela ajudou a organizar em dezembro passado. “Eles deram dinheiro, sim, e não foi nenhum segredo. Doa­ram como civis, e não políticos”, postou ela em janeiro, reagindo às críticas de integrantes do grupo cuja alegada inspiração anarquista não permite engajamentos partidários.
Paulo Campos/Futura Press
Marcelo Freixo, do PSOL, falando sobre os black blocs, antes e depois da morte do cinegrafista Santiago
Sininho diz que não gosta de políticos e políticos dizem que não apoiam a violência dos black blocs, mas as duas partes parecem se dar muito bem. A Câmara de Vereadores é um ambiente familiar para Sininho. Quando começou a minguar o movimento Ocupa Cabral, em que manifestantes permaneceram dois meses acampados diante da casa do governador do Rio, ela sugeriu a ocupação das escadarias da Câmara. Ficou lá por 52 dias. Gaúcha, filha de petistas com quem não se dá (“Continuam no PT, pois devem acreditar que tem esperança, mas eu não tenho nada a ver com a decisão deles”), até o meio do ano passado fazia trabalhos esporádicos em uma produtora de vídeos. Vivia com quatro colegas em um apartamento com poucos móveis e paredes cobertas de discos de vinil, recebia amigos para festinhas (animadas a MPB, cerveja e baseados) e passeava na cidade com uma bicicleta modelo retrô. Em junho, depois da primeira passeata, não saiu mais da rua e foi subindo na hierarquia dos “militantes ativistas”. Com tempo de sobra, esteve na linha de frente de quase todos os protestos. Ficou famosa — e mais ainda depois de ter sido detida por três dias (na investigação que se seguiu, livr­ou-se do grampo certo com um expediente simples: deu à polícia um número falso de telefone).
Roberto Castro e Ag. O Globo
A PRIMEIRA VÍTIMA: O rojão disparado pelos black blocs atingiu em cheio a cabeça do cinegrafista Santiago Andrade
Sininho posta vídeos com frequência, às vezes com o ex-namorado, conhecido como Game Over. Articulada, gosta de mandar — em passeatas, é vista apontando a direção a ser tomada pelos mascarados — e de alardear amizade com quem julga poderoso, como o deputado Marcelo Freixo, do PSOL. Freixo minimiza os laços. Afirma ter se encontrado com Elisa apenas duas vezes, na condição de presidente da Comissão de Direitos Humanos, por iniciativa dela. Mas comentários nas redes sociais não deixam dúvida: black blocs e PSOL são mais do que bons amigos. É a uma ONG presidida por um alto funcionário do gabinete de Freixo, Thiago de Souza Melo, que Elisa e outros apelam quando alguém vai preso ou sofre ameaça. A organização é composta de advogados que ficam a postos, nas ruas e em delegacias, para ajudar manifestantes detidos em confrontos de rua. Em São Paulo, quem faz esse papel são os advogados da CSP-Conlutas, entidade sindical ligada ao PSTU. Integrantes dos dois partidos costumam estar presentes em assembleias do bando, geralmente sob ataque de black blocs de inclinação purista, contrários à aliança com políticos. Freixo foi justamente o nome que Elisa brandiu quando contatou o advogado Jonas Tadeu Nunes para oferecer assessoria jurídica a Raposo, que se apresentou à polícia dois dias depois de Andrade ser atingido por um rojão.
Ag. O Globo
O CÚMPLICE: Raposo foi o primeiro a ser preso, levado pelo advogado Nunes (de azul): o vídeo mostra que ele deu a Caio o explosivo que matou Andrade
O advogado foi o primeiro a falar sobre o pagamento para promover quebra-quebras que os baderneiros receberiam de grupos, que ele não identificou. Coisa de “150, 200 reais”. Caio Souza confirmou, tanto a Nunes quanto à polícia, ter recebido propostas nesse sentido. Mais: diz ter visto a distribuição de quentinhas aos acampados na Câmara e de pedras e outros “apetrechos” aos mascarados na rua. O advogado Nunes — que diz não receber nenhum tostão dos dois clientes, aos quais teria sido levado por um estagiário amigo de Raposo — tergiversa quando é arguido sobre detalhes. Afirmou que, na manifestação, a turma da baderna recebe munição de “Kombis cheias de rojões, cheias de máscaras”. E quem financia tudo isso? Políticos? Algum partido? “Não sei. A polícia tem de investigar”, escorregou Souza.
Paulo Campos/Futura Press/Estadão Conteúdo
NÃO É CAUSA, É CRIME: Black blocs se preparam para a ação: “violência simbólica” também mata
​O principal responsável pela morte de Andrade mora com o pai em uma casa simples em Nilópolis, na região metropolitana do Rio. No dia seguinte à manifestação, 6 de janeiro, ele vendeu um celular, pagou o aluguel, pegou a correspondência e sumiu. Nunes conseguiu contatá-lo em um ônibus a caminho da casa dos avós em Ipu, no Ceará, e o convenceu a se entregar. Antes do crime, Souza era porteiro num hospital onde o pai é enfermeiro. Evangélico, fã de skate, descrito como calmo e calado, só mostra os dentes nos protestos de rua, aonde vai movido por convicções pouco claras — como mostra o texto que escreveu (veja o trecho abaixo). Já Raposo, o fornecedor do rojão, é bem mais conhecido no meio. Carioca, 22 anos, abandonou o curso de contabilidade para ser tatuador e mora sozinho em um apartamento no Méier, Zona Norte carioca (no playground, pichou: “Ódio à polícia! Viva a manifestação!”). Em vídeo, é visto portando o rojão enquanto caminha ao lado de Souza — que, em certo momento, pega o artefato aceso e o coloca no chão, a poucos metros do cinegrafista. Ele diz que mirou na polícia e só queria “fazer barulho”.
 
Na semana passada, o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, encaminhou ao Senado uma proposta de mudança na legislação que, se aprovada, atenderá às reclamações da polícia, que afirma não ter meios legais para manter presos os black blocs flagrados em ação. As principais medidas são: proibir o uso de máscaras em manifestações, como já é lei no Rio e em Pernambuco, e vetar o porte de objetos que possam ser usados para ferir, como rojões ou canivetes. Quem for pego desrespeitando essas regras será levado à delegacia. Os reincidentes teriam de pagar multa e ficariam banidos de eventos públicos por no mínimo 120 dias. A medida é bem-vista por especialistas. Afirma o coronel reformado da Polícia Militar José Vicente da Silva: “A proposta facilita a punição. E é melhor ter uma pena branda mas de efeito imediato do que uma duríssima que nunca será posta em prática”. Para o cinegrafista morto e sua família, no entanto, as medidas chegam tarde demais. Que a tragédia sirva para lembrar que os black blocs não são uma causa a ser defendida, mas um bando a ser combatido. E que a violência que praticam não tem nada de “simbólica”. Mata.






15/02/2014
 às 4:59

Lula nas asas de um ex-réu do “mensalão mineiro”. Mas PT quer o fígado de Azeredo…

Um dos motes da petezada na Internet é afirmar que há morosidade na tramitação do caso do mensalão mineiro. É só ignorância de causa. É que a denúncia foi oferecida pelo Ministério Público e aceita pelo Supremo depois do caso petista porque também veio à luz mais tarde. De resto, Lula deve acreditar que nada de errado se passou em Minas, não é mesmo? Por que digo isso?
Em seu primeiro mandato, o Apedeuta levou para ser seu ministro das Relações Institucionais ninguém menos do que Walfrido dos Mares Guia, que era vice de Eduardo Azeredo no governo de Minas (1995-1998). Walfrido foi um dos coordenadores da campanha de Azeredo à reeleição em 1998 e também se tornou um dos réus do tal “mensalão mineiro”. Foi acusado de peculato e lavagem de dinheiro. Ocorre que fez 70 anos, o prazo de prescrição de crimes, nesse caso, cai pela metade, e houve a prescrição. Não é mais réu. Todo mundo sabe que Walfrido conhecida muito mais a mecânica de financiamento da campanha de 1998 do que Azeredo.
Muito bem! Lula levou Walfrido para o governo. Quando a denúncia foi aceita e ele se tornou réu, deixou o cargo. Mas continuou amigão do chefão petista. E isso explica estas duas notas no  Painel da Folha deste sábado, editado por Vera Magalhães. Volto depois.
Lula Walfrido
Encerro
Os petistas gostam dos réus do mensalão mineiro e confiam neles. Na edição de ontem, o Globo revelou que outro, José Afonso Bicalho, ex-presidente do Banco Estadual de Minas Gerais, é assessor do Ministério do Desenvolvimento e trabalhou com o ex-ministro Fernando Pimentel, que vai concorrer ao governo de Minas. Lula pegou carona no avião de Walfrido justamente para participar de um ato em apoio a Pimentel. 
 




A charge do Boopo

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(Charge: Boopo)

15/02/2014
 às 9:46 \ Lei e ordem, Liberdade de Imprensa

Eu também acuso! Ou: São poucos, infelizmente, os que podem bancar o Zola

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Ficou famosa a carta de Émile Zola chamada J’accuse sobre o caso Dreyfus, publicada em 1898. Zola ataca aqueles que foram coniventes com a farsa do julgamento do judeu inocente. Em uma passagem, ele diz: “Meu dever é de falar, não quero ser cúmplice. Minhas noites seriam atormentadas pelo espectro do inocente que paga, na mais horrível das torturas, por um crime que ele não cometeu”.
Pois muito bem: são poucos aqueles, infelizmente, que podem bancar o Zola no Brasil de hoje. Poucos jornalistas e colunistas podem dormir com essa tranqüilidade, sem ser atormentados pelo espectro de Santiago Andrade, morto por black blocs tão enaltecidos pela imprensa, por artistas e “intelectuais”. Um deles é Reinaldo Azevedo, em quem baixou o espírito de Zola para escrever sua coluna desta sexta na Folha.
O título de seu artigo foi justamente “Eu acuso”, acompanhado da alcunha “Dilma ‘Red Bloc’”, fazendo menção ao fato de que a presidente, após uma cambada de baderneiros do MST deixar vários policiais gravemente feridos, ter, como prêmio, recebido a liderança do movimento no Palácio do Planalto.
Reinaldo cita nomes, como Franklin Martins, José Eduardo Cardozo e Gilberto Carvalho, a trinca petista que costuma ser conivente com todo tipo de “movimento social” que se julga acima das leis brasileiras. Ataca também a imprensa, covarde, silenciosa na hora de expor a violência desses “ativistas”.
Hoje, no GLOBO, foi a vez de outro jornalista que pode bancar o Zola apontar o dedo na direção dos mesmos alvos, de todos esses que acreditavam no Brasil “bonzinho”, no gigante que havia acordado e construiria um novo país (qual?, pergunta o autor, um Afeganistão?). Falo, claro, de Guilherme Fiuza, em sua coluna “A bondade dos assassinos”. Diz ele na largada:
O Brasil bonzinho assassinou o cinegrafista Santiago Andrade. Não foi outro o criminoso. Quem matou Santiago foi esse Brasil envernizado de bondade e infernizado de hipocrisia. Nenhum débil mental mascarado poderia ter matado Santiago sem a cumplicidade desse monstro.
A herança maldita da Primavera Burra foi apontada exaustivamente neste espaço. Os bem-pensantes e os demagogos — hoje praticamente indiscerníveis — continuaram matraqueando que os políticos precisavam ouvir “o recado das ruas”. Mentira. Não houve recado nenhum. Não há uma mísera mensagem aproveitável daquele carnaval cívico, onde multidões exuberantes marcharam contra tudo e contra nada — na mais patética perda de oportunidade política na era do Império do Oprimido.
Mas Fiuza tampouco é otimista em relação ao despertar da imprensa e do povo. Cita, também, o caso dos “red blocs” do MST, e conclui: 
Por falar em assassinato, os diplomatas do MST deixaram dez policiais gravemente feridos em Brasília. O Brasil está esperando um deles morrer para se horrorizar.
E o que aconteceu com os agressores? Foram recebidos em seguida por Dilma Rousseff no palácio, para um bate-papo de uma hora sobre reforma agrária. O que você está esperando para pegar sua borduna e ir atrás do que é seu?
Não é fácil a vida de jornalistas e colunistas que remam contra a maré vermelha hegemônica no Brasil. Todos morrem de medo de ser vistos como “direita”, ou “preconceituosos”, “reacionários”, “conservadores”. Todos querem posar de “progressistas”, de engajados, e preferem escrever aquilo que a turminha deseja ler, em vez de aquilo que deveria ler.
Mas esses poucos, se não são capazes de reverter o rumo das coisas sozinhos, ao menos podem se dar ao luxo de dormir sem sangue inocente no travesseiro, sem o peso na consciência por ter aplaudido marginais assassinos. Já é alguma coisa. E, com muito orgulho, apesar de não ser jornalista, posso me colocar no time dos “Zolas” que alertaram desde o começo dos perigos de tudo isso, mostrando que arruaça de mascarados jamais poderia acabar bem.
Portanto, eu também acuso!
Rodrigo Constantinon
Gentilmente cedido ao blog da Nação Junina de João Câmara rn

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